quinta-feira, 26 de julho de 2007

Mitos e mitologia.

Pintura a óleo de Joaquim Patinir (onde o barqueiro do rio Estige transporta as almas dos mortos, conforme o mito escatológico grego sobre a morte) Museu do Prado em Madri


Origem, natureza e significado dos mitos:

De maneira geral, os estudiosos se inclinam a entender as concepções míticas como etapa da construção de uma religião organizada ou como passagem para a reflexão filosófica. No que diz respeito ao primeiro ponto, se tem assinalado com freqüência a preeminência do contexto religioso do mito. Entre as preocupações comuns à mitologia e à religião se encontram não só a origem dos deuses (teogonias), do mundo (cosmogonias) e do homem, como também a sobrevivência após a morte, a justificação dos preceitos morais e os ritos. A esse respeito, as religiões monoteístas, mais abstratas, consideram as politeístas, baseadas em mitologias, como produto de mentalidades pagãs, pois desvirtuam a natureza do Deus único para divinizar qualquer aspecto da realidade -- o que não impede que as próprias doutrinas monoteístas tenham empregado, em seu propósito de tornar mais compreensíveis as questões que ultrapassam o entendimento, simbologias referentes à criação do homem, à origem do pecado e ao fim do mundo. Na realidade, mito e religião constituem duas abordagens paralelas do transcendente. O mito inclui atitudes -- religiosas, históricas, folclóricas e sociais -- com as quais pretende explicar, de forma espontânea e imediata, aspectos da realidade inapreensíveis para a razão. Já a religião apresenta uma mensagem mais concreta, nascida geralmente da revelação divina e pelo menos teoricamente acessível à razão. Nesse sentido, as mitologias politeístas representam uma transição do pensamento mítico primitivo para a abstração monoteísta, processo que se percebe, por exemplo, na evolução teológica do hinduísmo e na gênese do pensamento ocidental, com a criação das filosofias espiritualistas e teleológicas como as de Platão e Aristóteles. A observação precedente permite também uma primeira representação das divergências entre mito e filosofia, que se apóiam fundamentalmente no caráter racional e crítico da segunda. Assim, alguns antigos relatos cosmogônicos gregos remetiam a origem do mundo ao oceano, talvez com base na observação cotidiana e intuitiva de que a água era imprescindível para a vida. Mas quando Tales de Mileto, filósofo pré-socrático do século IV a.C., afirmou que a água constituía o arké, origem de todo o existente, deu um passo decisivo na direção do pensamento: despersonalizou a origem da matéria, que não mais era atribuída a um deus e sim a um elemento natural, e, ao mesmo tempo, expressou um raciocínio dedutivo, segundo o qual todos os elementos da realidade podiam formar-se a partir de uma única fonte. Passava-se, portanto, de uma explicação "ingênua" ou, se for melhor, baseada em processos intelectuais implícitos e acríticos, a outra, fundada em critérios racionais explícitos e passíveis de discussão. Isso não significa, em qualquer caso, que a filosofia deva ser entendida como uma "superação do mito", mas sim como uma visão de mundo diferente. Por isso muitas filosofias irracionalistas viram no vigor poético e simbólico das concepções míticas uma forma de conhecimento capaz de apreender unitariamente aspectos da realidade que parecem desagregar-se com o exercício da faculdade racional. Os mitos não são apenas tentativas de penetrar nos mistérios da natureza física ou da ordem sobrenatural, mas também produtos de determinadas circunstâncias históricas e sociais. A corroborar essa afirmação estariam as incontáveis lendas sobre heróis epônimos ou civilizadores, bem como, quase sempre, a própria composição específica dos panteões divinos: a descrição e atribuições conferidas aos deuses respondem geralmente ao modelo social -- caçadores, nômades e agricultores -- das culturas que os criaram. Por exemplo, a tendência dos povos de origem indo-européia a estabelecer uma tríade suprema de deuses encarna a divisão tradicional entre as classes religiosa, guerreira e camponesa. Se suas relações com a religião, a filosofia ou a organização social permitem uma melhor compreensão da natureza e do significado dos mitos, isso não responde às perguntas sobre sua origem, ou seja, por que existe a propensão humana a criar mitos. Entre as muitas explicações oferecidas por antropólogos, psicólogos e outros estudiosos, alcançaram singular notoriedade -- e geraram polêmicas acirradas -- as proporcionadas pela psicanálise e, em particular, pelo alemão Carl Gustav Jung. Segundo ele, os mitos seriam a manifestação dos arquétipos ou modelos que brotam do inconsciente coletivo e constituem a base do psiquismo. De uma ou outra forma, a maior parte dos estudiosos considera o pensamento mítico uma atividade vivencial, intuitiva e simbólica, relacionada a temas que transcendem a experiência ou a razão. Motivo de controvérsia seria, no entanto, sua interpretação como produto de uma mentalidade pré-crítica ou, ao contrário, uma constante antropológica complementar da faculdade racional. Os defensores da primeira postura sustentariam que, superada uma certa etapa, o mito se dissolve na arte ou na literatura e perde seu caráter de crença, enquanto os partidários da segunda tendem a opinar que o pensamento mítico não pode reduzir-se a suas manifestações arcaicas e que a humanidade se encontra perpetuamente inclinada a criar novos mitos que, por seu próprio caráter mítico, não são reconhecidos como tais.

Ansioso para compreender o mundo e seu próprio papel dentro dele, o homem procurou, desde o surgimento das primeiras sociedades, reproduzir em símbolos e imagens plásticas suas intuições sobre os aspectos da realidade que escapavam a seu entendimento. Essa é a fonte da qual nascem os mitos, manifestação antropológica que, nas palavras do estudioso britânico H. J. Rose, constitui "o produto da atividade da imaginação ingênua sobre os fenômenos da experiência", ou seja, o resultado dos esforços da intuição imaginativa para explicar questões como a origem e o destino da humanidade, as estruturas sociais, a natureza e a morte. Dentro de sua variedade de formas constituintes, as mitologias, como sistemas ordenados de mitos associados a certas crenças, estão estreitamente vinculadas a estágios religiosos politeístas que caberia considerar intermediários, do ponto de vista conceitual, entre as religiões primitivas -- animismo, chamanismo -- e as monoteístas. Não existe, nesse sentido, estrutura mitológica que não tenha seu centro num panteão divino, cuja composição e hierarquia significa, na verdade, um exercício de reflexão simbólica sobre a realidade e seus diversos elementos. A criação de mitos, no entanto, não se restringe unicamente ao campo do transcendente, pois freqüentemente responde ao desejo de representar os traços históricos, sociais e culturais que definem um povo. Também não pode ser considerada apenas como produto de uma etapa evolutiva já superada pela humanidade. Muitos estudiosos consideram, a esse respeito, que formas do pensamento mítico continuam presentes em numerosos fenômenos culturais do mundo moderno. Manifestação antropológica complexa e de difícil definição, a mitologia constitui, em forma e essência, uma unidade indissolúvel. Somente a exploração de seus diferentes aspectos pode oferecer uma imagem indicativa da origem, natureza e significado da realidade mítica e do conjunto de valores subjacente às grandes mitologias.


Fonte de pesquisa: http://orbita.starmedia.com/~hyeros/mitoemitologia018.html

Bárbara Prado - Porto Alegre/RS

Um comentário:

Flower disse...

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