quinta-feira, 9 de agosto de 2007

Enterrem meu coração na curva do rio.

Nos velhos tempos em que o mocinho ganhava do bandido e casava com a mocinha, ninguém era mais bandido que o índio. Quando os pacíficos colonos vinham falando de uma nova terra prometida, a câmara ia para os altos das escarpas próximas e era inevitável: lá estavam as siluetas odiada. Confusão. Berros. O mocinho dava as ordens, os carroções ficavam em círculo. Corte. Um velho índio, cheio de penas, dava um berro e agitava uma lança. Lá ia o bando de gente pintada berrando. Corte. O mocinho, fazendo careta, dizia para o idiota ao lado que não devia atirar. "Espere! Temos pouca munição!" Lá vinham os índios, o mocinho dizia "agora!" e começava a cair gente pintada do cavalo. Mas pouca munição provocava caretas desesperadas no mocinho, cercado de gente ferida. Até o idiota estava ferido. Quando a mocinha (que estava carregando os rifles) dizia que era a última carga, soava o clarim salvador da Cavalaria e milhões de Casacos Azuis encurralavam um punhado de índios, acabando com todos. Beijo final. The End.

Mas, e a verdade? Enterrem meu coração na curva do rio (Bury My Heart at Wounded Knee), o best-seller de Dee Brown, conta o outro lado da história, é uma História Índia do Oeste Americano.

Os mocinhos, de repente, não têm a pele branca. Pelo menos, a maioria. Têm nomes que, nos filmes eram perseguidos por bandos comandados por John Wayne, Henry Fonda ou James Stewart: Cochise, Gerônimo, Nuvem Vermelha, Cavalo Doido, Victorio, Touro Sentado, Galha...


INTRODUÇÃO

Desde a viagem de exploração de Lewis e Clark à costa do Pacífico no começo do século XIX, o número de relatos publicados que descrevem a "abertura do Oeste Americano se eleva a milhares. A maior concentração de experiências e observação registradas ocorreu no intervalo de 30 anos entre 1860 e 1890 - o período coberto por este livro. Foi uma era incrível de violência, cobiça, audácia, sentimentalismo, exuberância mal orientada e de uma atitude quase reverente para com o ideal de liberdade pessoal, por parte dos que já a possuíam.
Durante essa época, a cultura e a civilização do índio americano foram destruídas e é dessa época que vieram praticamente todos os grandes mitos do Oeste Americano - histórias de negociantes de peles, homens das montanhas, pilotos de vapores, mineiros, jogadores, pistoleiros , soldados da cavalaria, vaqueiros, prostitutas, missionários, professores e colonizadores. Só ocasionalmente foi ouvida a voz de um índio e, muito freqüentemente, não registrada pela pena de um homem branco. O índio era a ameaça negra dos mitos, e, mesmo se soubesse escrever em inglês, onde encontraria um impressor ou um editor?
Porém não estão perdidas todas essas vozes índias do passado. Alguns relatos autênticos da história do Oeste americano foram registrados por índios em pictogramas ou em inglês vertido, e alguns conseguiram ser publicados em jornais obscuros, panfletos ou livros de pequena circulação. No fim do século XIX, quando a curiosidade do homem branco sobre os sobreviventes índios das guerras atingiu um ponto alto, repórteres de iniciativa frenqüentemente entrevistavam guerreios e chefes, dando-lhes uma oportunidade de expressar suas opiniões sobre o que acontecia no Oeste. A qualidade dessas entrevistas variava muito, dependendo da capacidade dos intérpretes ou da disposição dos índios em falar livremente. Alguns temiam represálias por falar a verdade, enquanto outros se divertiam enganando os repórteres com histórias impossíveis e imaginosas. As declarações de índios em jornais da época devem, portanto, ser lidas com ceticismo, embora algumas sejam obras primas de ironia e outras ardam com explosões de fúria poética.
Entre as fontes mais ricas de declarações de índios, em primeiro lugar, estão os registros de conselhos de tratados e outras reuniões formais com representantes civis e militares do governo dos Estados Unidos. O novo sistema estenográfico de Isaac Pitman estava entrando na moda durante a segunda metade do século XIX e, quando os índios falavam no conselho, um escrvão sentava-se ao lado do interprete oficial.
Mesmo quando as reuniões eram em partes distantes do Oeste, alguém habitualmente era designado para registrar os discursos e, devido à lentidão do processo de tradução, muito do que se disse pôde ser retido em manuscritos. Os intérpretes geralmente eram mestiços que sabiam falar as línguas, mas que raramente sabiam ler ou escrever. Como a maioria dos povos se exprimia de forma diferente, eles e os índios dependiam das imagens para expressar seus pensamentos, de modo que as traduções em inglês estão cheias de símiles gráficos e metáforas do mundo natural. Se um índio eloqüente tinha mau intérprete, suas palavras se transformariam em prosa vulgar, mas um bom intérprete podia fazer um mau orador soar poético.
A maioria dos líderes índios falava livre e candidamente nos conselhos com funcionários brancos e, à medida que se tornavam mais sofisticados em tais questões, durante as décadas de 1870 e 1880, exigiam o direito de escolher seus próprios intérpretes e registradores. Neste último período, todos os membros das tribos falavam livremente e alguns dos homens mais velhos aproveitavam essa oportunidade para contar novamente os fatos que haviam testemunhado no passado, ou para resumir as histórias de seus povos. Embora os índios que viviam durante esse funesto período de sua civilização tenham desaparecido da face da terra, milhões de suas palavras foram conservadas e estão contidas nos registros oficiais. Muitos dos trabalhos dos conselhos mais importantes foram publicados em documentos e relatórios do governo.
Com todas essas fontes da quase esquecida história oral, o autor DEE BROWN tentou armar uma narrativa da conquista do Oeste Americano segundo suas vítimas, usando suas palavras sempre que possível. Os americanos, que sempre olham para o oeste quando lêem sobre este período deveriam ler este livro olhando para leste.
Este não é um livro alegre, mas a história tem um jeito de se introduzir no presente, e talvez os que o lerem tenham uma compreensão mais clara do que é o índio americano, sabendo o que foi. Poderão surpreender-se ao ouvir que palavras de gentil razoabilidade saem da boca de índios esteriotipados no mito americano como selvagens impiedosos. Poderão aprender algo sobre sua própria relação com a terra, com um povo que era de consevacionistas verdadeiros. Os índios sabiam que a vida equivale à terra e seus recursos, que a América era um paraíso, e não podiam compreender porque os invasores do Leste estavam decididos a destruir tudo que era índio e a própria América.

O autor fala mais: E se os leitores deste livro, alguma vez, puderem ver a pobreza, a desesperança e a miséria de uma reserva índia moderna, acharam possível compreender realmente as razões disso.

Dee Brown - Urbana Illinois/Abril de 1970

Quem estiver interessado em ler esta obra-prima, com o maior prazer posso scanear e enviar.


Bjos 1000
Bárbara Prado - Porto Alegre/RS

2 comentários:

Ana disse...

Oi, Bárbara, tudo bem? Estava procurando na internet por uma citação específica deste livro, que li há uns 15 anos e acabei chegando no seu blog. Este livro me marcou tanto que nunca esqueci de alguns trechos. Agora quero incluir um deles em minha tese de doutorado, mas perdi meu exemplar. Por coincidência, vc fala exatamente do que estou procurando: o trecho sobre os intérpretes. Seria possível escanear apenas esta página pra mim, e me mandar a referência bibliográfica? Um abraço

"DOM JUAN DE PERON" disse...

ESTIMADA BARBARA, TENHO LIDO MUITA COISA DE SEU BELO TRABALHO. NÃO PODERIA AQUI DESCREVER LINHAS SOBRE A IMPORTÂNCIA DE TUDO QUANTO LI E VI, NO ENTANTO FICA O MEU MUITO OBRIGADO POR NOS BRINDAR COM FONTES DE INFORMAÇÕES DE TÃO GRANDE VALIA.
VOCE NOS OFERECEU, E ESTOU PARTICULARMENTE INTERESSADO EM LER O LIVRO QUE TENHO BUSCADO E NÃO ENCONTRO EM LUGAR NENHUM. PODERIAS POR FAVOR MANDAR-ME UMA CÓPIA ESCANEADA.